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10 de outubro de 2016

Dia Mundial Sem Carro, bicicleta, gênero, desvelocidades, eleições e ativismo: a confluência de agendas contemporâneas

  • Artigo para a coluna “Unindo Ciclos” da UCB na Revista Bicicleta. Ver demais artigos aqui.
  • Edição: Nº 66 – Set/2016
  • Autores: Marcelo Cintra do Amaral e Guilherme Tampieri associados à UCB desde 2014

Chegou mais um Dia Mundial Sem Carro – DMSC, iniciativa que surgiu na França, em 1997, e que desde então se expande por cidades do mundo todo, chegando ao Brasil no início dos anos 2000. Uma ideia simples – deixar seu carro em casa por um dia, caso você o tenha -, é motivadora de debates, campanhas e outras ações criativas e educativas que querem provocar a reflexão e mudança de atitude.

Nos últimos anos, poucas realidades urbanas conseguiram ter algum tipo de resposta efetiva ao dia sem carro, mas ele influenciou conceitos mais complexos como bairros ecológicos (ecobairros) e car free, termo que nomeia grupos ativistas mundo afora. Cidades sem carro ainda são consideradas utopia pela maioria das pessoas, apesar de existirem muitas por aí e esta semente de utopia começa a querer brotar no Brasil, quando percebemos que a política nacional de mobilidade traz o marco legal para vários instrumentos de restrição de circulação dos carros, antes impossíveis de virarem realidade.

Depois de quase 20 anos, é necessário que o DMSC incorpore outras agendas e novas bandeiras políticas. Este é o caso da bicicleta como fator de transformação das cidades, bandeira que se alinha perfeitamente a esse debate car free. Na maioria das vezes, fruto de um mimetismo de boas políticas – ao que Marc Augé denominou “efeito pedalada” -, o incentivo à bicicleta tem transformado as cidades brasileiras, colocando lado-a-lado algumas políticas públicas com o movimento cicloativista.

Todos queremos cidades mais justas, equânimes e conviviais, onde possamos pedalar e caminhar, com espaços públicos que favoreçam o compartilhamento e a vitalidade residencial e comercial, com pessoas voltando a usar calçadas e esquinas sem medo, dotando as ruas de mais e mais olhos, os olhos da rua, como defendia Jane Jacobs.

Mas é possível e preciso começar a pensar nos meandros e detalhes dessa nova agenda. Não é mais suficiente pensarmos apenas em uma cidade com menos autos e mais bicis. Está na hora de se pensar uma agenda de confluência, com novos desafios, onde a desigualdade de gênero seja superada nos deslocamentos pelos espaços públicos, diminuindo a violência a que são submetidas de forma desigual mulheres, homossexuais e pessoas de outros gêneros que não o masculino.

Todos ainda sofremos com a violência das ruas, parte imposta pelos próprios carros que matam e machucam mundo afora, mas alguns sofrem a violência da sociedade machista, preconceituosa e segregadadora. Assim como também temos que lutar para que a retomada da bicicleta não seja uma movimento hipster, com benefícios concentrados para a classe média enquanto persiste o campo cego da bicicleta na periferia, símbolo de resistência e persistência de pessoas que nunca deixaram de usar suas magrelas.

Incorporar a questão de gênero, raça, outras desigualdades socioespaciais e a redução das velocidades urbanas é desafio tanto para o DMSC quanto para a ciclopolítica. Mas também é necessário incorporar novas estratégias de articulação, como influir nos Planos de Mobilidade e nas eleições municipais. Com essa visão, a UCB participou ativamente no projeto Bicicleta nos Planos, que, entre outras ações, articulou e fomentou ciclistas de 10 cidades brasileiras para incidir nos planos locais. As eleições são também momentos eficazes de se colocar pautas específicas na agenda política. Está em andamento a campanha Bicicleta nas Eleições que envolveu já mais de 50 cidades brasileiras na luta de pautar candidatas e candidatos a Prefeitura e Câmara de Vereadores pela incorporação da pauta das bicicletas.

Assim como o aumento do uso da bicicleta, o viver sem carro deveria ser parte da visão de médio e longo prazo das cidades. Planos e eleições podem ser boas arenas para se debater o tema.

O presente artigo reflete mais que uma opinião pessoal, é fruto direto de debates e aprendizados decorrentes de eventos (Biciclutura 2016, 1º Cicloformação da BH em Ciclo) e em conversas presenciais e virtuais com ciclistas amigas e amigos. Muitos de nós já estamos convencidos que não nos basta apenas viver sem carro… temos que viver também sem machismo, sem preconceito, sem segregação, pensando as cidades de forma ampla. Esse é um bom desafio para o Dia Mundial Sem Carro 2016.

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