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08 de março de 2018

A Bicicleta e a Epilepsia

Recentemente, um acidente em Copacabana, no estado do Rio de Janeiro, chamou muita atenção da imprensa e da sociedade em geral. Várias pessoas foram feridas e um bebê morreu após serem atingidos por um veículo desgovernado que subiu o calçadão e a ciclovia, ambos lotados no momento do atropelamento. Este acontecimento foi muito comentado, não só pela gravidade, mas porque o motorista informou que perdeu o controle do automóvel após ter tido uma crise convulsiva, pois era epiléptico.

Este triste episódio levantou a seguinte discussão: um paciente epiléptico pode ter autorização para dirigir? No Brasil, a legislação permite – desde que o paciente apresente um relato médico informando que suas crises estão sob controle. No entanto, outros países não permitem que pessoas com diagnóstico de epilepsia possam dirigir – mesmo que suas crises convulsivas estejam controladas – o que pode acontecer tanto com o uso de medicamentos, como com a realização de cirurgia no cérebro para remoção do foco epiléptico.

Mas qual é a relação da epilepsia com a bicicleta? Escrevi esse texto para chamar atenção – tanto dos pacientes quanto de nós ciclistas – que tem muita coisa que precisamos saber sobre a epilepsia, pois a desinformação e consequentemente o estigma social sobre essa doença são enormes.

A epilepsia é uma doença relativamente comum, porém bastante complexa, pois tem múltiplas causas e há diversos tipos. O tipo mais conhecido é o caso em que ocorrem episódios de convulsões, que é quando o paciente perde a consciência e o controle sobre os seus próprios músculos. Muito provavelmente foi isso que deve ter acontecido no caso do atropelamento em massa que ocorreu na praia de Copacabana. Entretanto, geralmente os ataques epilépticos não são do tipo convulsão, pois os pacientes nem perdem a consciência durante o ataque.

A primeira informação que gostaria de deixar claro é que quem tem epilepsia pode sim andar de bicicleta. Os motivos são vários, pois andar de bicicleta:

  1. a) Melhora o nosso condicionamento físico e reduz o estresse, e isto são fatores que ajudam a controlar as crises;
  2. b) É uma atividade prazerosa e que também ajuda na interação social, o que é fundamental para que o paciente não se sinta isolado socialmente, e é claro que isto ajuda a redução das crises;
  3. c) Permite que o paciente possa se deslocar até a escola, ao trabalho, para fazer compras, ir à igreja, ir ao médico etc., o que também contribui para a inclusão social do paciente;
  4. d) Provoca uma estimulação no nosso cérebro que inibe o surgimento das crises, logo ter uma crise andando de bicicleta é muito pouco provável.

Por tudo isso, podemos concluir que devemos estimular os pacientes epilépticos a andarem de bicicleta. No entanto, é preciso atentar para três coisas: Primeiro, que os pacientes sejam esclarecidos sobre os benefícios do andar de bicicleta, derrubando assim o mito de que eles não podem praticar essa atividade, pois um acidente de bicicleta por causa de uma crise convulsiva geralmente não provoca ferimentos graves. Segundo, é preciso que nós ciclistas não tenhamos preconceito com estes pacientes e passemos a ter uma ação ativa em convidá-los para as nossas pedaladas de fim de semana, bem como também oferecermos os serviços de “bike anjos” para aqueles que querem aprender a andar de bicicleta, ou a ir de bicicleta à escola ou ao trabalho. O terceiro fator é a melhoria das vias públicas para o uso de bicicletas, desde mais ciclovias até educação no trânsito para que as vias possam ser compartilhadas de forma segura. Por isso, nós que somos cicloativistas devemos convencer os gestores dos benefícios e das necessidades de termos uma mobilidade por bicicleta que seja plenamente segura.

Por fim, gostaria de aproveitar essa oportunidade para convidar os diversos coletivos de ciclistas do Brasil para se envolverem e interagirem com a comunidade dos epilépticos, que se organizaram na Liga Brasileira de Epilepsia e na Associação Brasileira de Epilepsia. Sabemos que o dia 12 de fevereiro é o Dia Internacional da Epilepsia e o dia 26 de março é o Dia Mundial de Conscientização da Epilepsia. Este último é conhecido como “Purple Day”, ou seja, o “dia roxo”, e foi criado por uma criança canadense, Cassidy Mega, em 2008. Cassidy disse que escolheu a cor roxa para representar a epilepsia por causa da cor da flor da lavanda, que é frequentemente associada com a solidão – e isto representa os sentimentos de isolamento social que os pacientes com epilepsia sentem.

Dessa forma, é nossa tarefa como ciclistas brasileiros não só divulgarmos o quanto a bicicleta faz bem para a saúde dos epilépticos, mas também perdermos o preconceito e convidá-los para se juntarem a família dos ciclistas do Brasil. Como o dia 12 de fevereiro deste ano foi em pleno carnaval, aproveitamos para sugerir que no dia 26 de março façamos vários pedais em todo o Brasil no “Purple Day”, Dia Mundial de Conscientização da Epilepsia, para contribuirmos com o fim da solidão dos quase 250 mil epilépticos do Brasil.

 

Texto: Prof. John Fontenele-Araujo – Laboratório de Neurobiologia e Ritmicidade Biológica –
Departamento de Fisiologia – UFRN

 

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