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05 de dezembro de 2016

A Conferência Habitat III e a necessidade do incentivo ao uso da bicicleta em nossas cidades

  • Artigo para a coluna “Unindo Ciclos” da UCB na Revista Bicicleta. Ver demais artigos aqui.
  • Edição: Nº 68 – Nov/2016
  • Autores: Guilherme Tampieri, Marcelo Cintra do Amaral e JP Amaral

Qual a relação entre bicicleta, moradia e redução de desigualdades mundiais? Como o ato de pedalar pode contribuir para alterar o padrão de consumo, a educação e para o direito à cidade? A União de Ciclistas do Brasil (UCB) acredita e defende que a bicicleta tenha potencial para contribuir com estes e outros tantos temas que compõem os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com a própria Nova Agenda Urbana (NAU) tratados na Habitat III, a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável.

Entre 17 e 20 de outubro de 2016, 30 mil pessoas de milhares de aglomerações subnacionais (cidades, vilarejos, assentamentos rurais e urbanos, etc) de 167 países estiveram em Quito para participar da Habitat III. Durante esses quatro dias, enquanto as sessões oficiais tratavam de debater os ODS e aprovar a NAU, dezenas de eventos paralelos, de toda natureza, aprofundaram os temas setoriais e provocaram o debate pelo direito à cidade e pela defesa da importância dos atores locais.

A razão para que países de todos os continentes busquem um acordo global é muito simples: desde 2008, mais da metade da população mundial reside em áreas urbanas. Em 1976, quando foi realizada a primeira Habitat, éramos 37,9% de urbanóides, subindo para 45,1% em 1996 (Habitat II) e atingindo 54,5% em 2016. Esse fenômeno, que continuará a aumentar a população urbana nos próximos anos (há projeções de 60% em 2030 e 66% em 2050), traz consigo uma série de problemas e conflitos nas mais diversas áreas, incluindo a mobilidade urbana.

A importância da mobilidade urbana em geral para melhorar as cidades foi tema de muitos stands e documentos, nas sessões oficiais e na programação paralela. Percebe-se significativa aceitação da ideia de que a bicicleta tem potencial para transformar as cidades, e os modos ativos também ocuparam seu lugar na NAU, mas a impressão geral que fica é que, para a maioria dos urbanistas, os processos de localização (habitação) ainda são vistos como mais importantes que os processos de mobilidade.

Além de eventos técnicos promovidos por instituições e governos, Quito foi palco de ações lúdicas, como o encontro de quatro super heróis urbanos em uma praça, pedaladas noturnas com mais de 300 ciclistas, feiras de produtos locais e sustentáveis, tribunais de ações de despejo de ocupações urbanas e encontros políticos, sendo um deles com a presença do geógrafo americano David Harvey, crítico ferrenho ao sistema capitalista e à própria Habitat III. Estas criativas ações se juntaram a um grande contraevento denominado Resistencia Habitat III.

Entendemos que esta diversidade de camadas foi a principal riqueza do encontro, pois permite de fato as conexões entre os acordos globais e o vivido local, entre os diversos atores, instituições e interesses e, principalmente, entre os temas e setores transversais, como é o caso da mobilidade urbana, do andar e do pedalar.

A despeito de diversos especialistas defenderem a utilização de altíssimas tecnologias, como a de carros elétricos e autônomos (sem motoristas), para resolver problemas de mobilidade urbana, a simplicidade do caminhar e do pedalar, medidas simples e que não envolvem tecnologias “Hi-Tech” e altos investimentos, foram colocadas como parte das soluções aos problemas urbanos. Para além do planejamento de longo prazo, as  cidades do futuro precisam ser construídas também por debates, medidas e gestão imediatas, de curto e médio prazo. Ou seja, para termos cidades do futuro inclusivas, democráticas e justas, é preciso agir sobre o agora, o presente, e poucos elementos podem ser mais eficazes e efetivos para tal do que a bicicleta, usada como modo de transporte, instrumento de empoderamento e autonomia e ocupação do espaço publico.

Compreendendo a capacidade da bicicleta de promover a organização do espaço por meio de uma visão de justiça social e relações sociais mais humanas, a UCB construiu o documento – A bicicleta como promotora dos 17 ODS, inspirado em texto feito pela ECF (Federação Europeia de Ciclistas), que conectava o uso da bicicleta aos ODS, trazendo algumas reflexões específicas da realidade brasileira. Estes documentos serviram de base para um dos poucos debates focados exclusivamente na bicicleta, o painel Cidades Ativas e Acessíveis, promovido pela ECF e com participação de associados da UCB.

Foi na camada da resistência que o uso da bicicleta e do andar a pé teve maior destaque, com a mesa organizada pelo coletivo equatoriano Carishinas en Bici, quando foram apresentadas, majoritariamente por mulheres, inúmeras iniciativas de movimentos e organizações sociais que promovem a mobilidade ativa no mundo, especialmente na América Latina.

Por fim, vale destacar que o direito à cidade, bastante debatido durante a Habitat III, é um conceito que precisa ser discutido socialmente, de forma aberta e inclusiva. É preciso que nós, integrantes de movimentos e organizações sociais, lutemos por seu verdadeiro sentido com as agendas que defendemos, com as lutas que travamos na urbes e com o senso de que o direito à cidade passa, necessariamente, pelo diálogo e a construção coletiva entre pessoas, individualmente ou organizadas em movimentos, associações, etc e instituições públicas, de forma transescalar, partindo do indivíduo, enquanto agente social, até a comunidade internacional.

 

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